Sou fã! E dentre tantos artistas que tanto aprecio, emociono, choro, danço e divirto com amigas e amigos nessa trajetória do viver o aqui e o agora, esse melhor lugar do mundo sempre disponível, quero também deixar meu registro, agradecimento e alegria a dois grandes mestres da música popular. O guru Gilberto Gil e Mestrinho. Minha reverência ao sagrado que são, ao sagrado que somos.
Mas o porquê de fazê-lo agora digo a razão. Ano passado, 2020, ainda que num período barra pesada da pandemia da COVID-19, isolados em casa, trabalhando remotamente, eu e minha filha Ana Luiza encontrávamos, e até mesmo buscávamos, momentos de alegria e encanto. E assim que no meio do ano, 26 de junho, nos preparamos para ver a transmissão na web do show ao vivo de Gilberto Gil por ocasião de seus 78 anos. Show por si só de Gilberto Gil é imperdível. Mais ainda o show “Fé na Festa do Gil” com seu repertório celebrando a festiva música nordestina em que juntou a família Gil com alguns músicos que o acompanharam, dentre eles, Mestrinho. Um gigante, o Gil. Outro gigante o Mestrinho. Pura emoção que nos desperta sentidos e alegrias de sermos quem somos, de sempre nos lembrar o melhor de nós mesmos. Tudo o que a poesia e a música são capazes de nos tocar.
O show foi lindo, nem preciso dizer. Mas o que me motiva a lembrá-lo hoje, ainda isolado em casa em 2021, foi um pequeno relance que aconteceu no show que me emocionou singularmente e quero repetir as mesmas palavras agora. Num momento do show, próximo do final, Gil fala em homenagem aos muitos nomes que “contribuíram para a formação e consolidação da música nordestina”. Essa fala de Gil está no bloco do vídeo em 1:49:22 (vou deixar hiperlinkado logo abaixo ao final deste blog). As pessoas atentas perceberam Gil emocionado. Os músicos também. Ao final da fala, Mestrinho, vai ao microfone e solta sua sintética frase: “Falou e Disse!”. Uau… Fui catapultado até minhas memórias de adolescente quando assim nos expressávamos. Falou e disse! É mais do que concordar com o dito. Tem uma conotação de força, de validação superior. Se algo que foi dito recebe de outrem um “falou e disse”, é porque é batata, coisa certeira, você pode fiar que não tem erro. Tá mais do que confirmado. E quem o disse recebe seu prêmio como quem recebe os louros dos vitoriosos. Pois bem, ao contemplar o show, a fala do Gil, a expressão de Mestrinho, eu, emocionado, soltei “que legal!”. Duas vezes: “que legal!”. Acredito que vocês saibam que quando expressamos duplamente que legal, isso significa uma intensidade “n fatorial” de muito, mas muito mais legal, e que não tem nada a ver com leis ou de quem as faz. Foi uma expressão de felicidade por assistir ao show ao vivo, ainda que esparramado nas almofadas de casa, ouvir o Gil e o “falou e disse” do Mestrinho, acessar minhas memórias de quando já podia perceber nuances e belezas para além das palavras e maravilhar-me com a poesia delas.
Já estou na idade em que minha memória não é um primor. Não sei dizer por que lembro ou não lembro de algo. Não é minha escolha. Eu mesmo o que sei é que lembro de fatos, momentos, interações com percepções e sensações que ressuscitam em mim e que não só insistem em me recordar, mas tornam-se presentes perenemente, e assim me fazem continuamente contemplar algo eterno pulsando, vivo. Assim foi com o “falou e disse”. Recentemente, conversando com minha filha caçula, Clarisse, falando de esperança ativa, de mantermos nossa disposição na luta por mundo melhor e na nossa interna busca do Ser, comentamos também sobre a entrevista de Gilberto Gil no El País, e, claro, tive então a oportunidade de soltar meu “falou e disse” para o Gilberto Gil entre as mensagens com Clarisse. É bom quando eu e minhas filhas conversamos e o Amor acontece quando expressamos as manifestações do Ser.
Mas vai daí que por estas linhas, curvas e dimensões do tempo e memória me convocando a Presença, eis que ouço neste fim de semana o novo álbum de Mestrinho, Solitude, lançado em 7 de maio, majoritariamente instrumental, permitindo o fole de seu acordeão soprar cada nota e sentimento, como na primeira faixa “Homenagem aos profissionais da saúde”. E a surpresa da última faixa, “Navegando Juntos”, um belo poema de sanfona e voz para a Alma entoar num canto de esperança ativa: “de coração, nos dando as mãos” no convite “seja qual for a sua crença, vamos nos abraçar”. Tudo poeticamente e musicalmente despertando em mim novamente o Sopro que me habita. E deste lugar, vem minha vez de dizer logo em seguida à canção e à voz de Mestrinho: “Falou e disse!”. Duas vezes: “Falou e disse!, Mestrinho!”. Que legal!
NAVEGANDO JUNTOS
Mestrinho
Vejo surgir uma nova era
Um novo ciclo
Um novo tempo
Uma nova evolução
Um recomeço
Um desapego
Por sermos despejados à correria
Entre o caos e a solidão
Nos transformando
Reconhecendo o sentido do amor
Estendendo a mão a quem necessitar
É assim que somos
É a nossa essência
Seja qual for a sua crença
Vamos nos abraçar
De coração, nos dando as mãos
Pois navegando juntos somos sempre mais
Não há por que nos separar
Por que no fim de tudo
Nós desembarcaremos no mesmo cais
O grande artista que nos pintou
Nesse quadro que é o mundo
Pediu pra gente descansar
Certas ideias, tantas ideias
Que querem destruir nossa aldeia
Não têm forças pra durar
Pois o que fica é a nossa luta
São nossas boas intenções
Estendendo a mão a quem necessitar
É assim que somos
É a nossa essência
Seja qual for a a sua crença
Vamos nos abraçar
De coração, nos dando as mãos
Pois navegando juntos somos sempre mais
Não há por que nos separar
Por que no fim de tudo
Nós desembarcaremos no mesmo cais
Momento esse que nós vivemos
Por mais que cause agonia
Eu enxergo um clarão
Pois já dizia Gilberto Gil mergulhado na sabedoria
Que a luz nasce na escuridão
Somos humanos agradecendo a mais um dia que passou
Estendendo a mão a quem necessitar
É assim que somos
É a nossa essência
Seja qual for a sua crença
Vamos nos abraçar
De coração, nos dando as mãos
Pois navegando juntos somos sempre mais
Não há por que nos separar
Por que no fim de tudo
Nós desembarcaremos no mesmo cais
* * *
Vídeo com o clipe da música Navegando juntos, do álbum Solitude de Mestrinho.
Vídeo do show de Gilberto Gil, de 26/jun/2020, “Fé na festa do Gil”, marcado no ponto da homenagem à música nordestina, em 1:49:22