CAMPBELL: Poetas são simplesmente aqueles que adotaram, como profissão e como estilo de vida, o estarem em contato com a própria bem-aventurança. A maioria das pessoas se preocupa com outras coisas. Envolvem-se em atividades econômicas e políticas ou se deixam engajar numa guerra que não é aquela em que estavam interessadas; nessas circunstâncias, é muito difícil manter-se fiel ao propósito essencial. Trata-se de uma técnica que cada um precisa desenvolver por sua própria conta.
Mas muitas pessoas que vivem naquele âmbito de interesses que podem ser chamados de triviais possuem a capacidade, que apenas aguarda ser despertada, de progredirem na direção de um âmbito mais elevado. Eu sei disso. Vi acontecer com muitos estudantes.
[…]
MOYERS: Será que chegamos a saber a verdade? Será que chegamos a encontrá-la?
CAMPBELL: Cada um possui a sua própria profundidade, a sua própria experiência, e alguma convicção quanto a estar em contato com sua própria sat chit ananda(*), seu próprio ser, através da consciência e da bem aventurança. Os religiosos dizem que não chegamos a experimentar verdadeiramente a bem aventurança antes de morrermos e irmos para o céu. Mas eu acredito em atingir o máximo possível dessa experiência enquanto estamos vivos.
MOYERS: A bem aventurança é agora.
CAMPBELL: No céu, você terá um enlevo tão maravilhoso contemplando Deus que nem terá condições de se dedicar à sua própria experiência. O céu não é o lugar para se ter essa experiência – o lugar para ela é aqui.
MOYERS: Você já teve a sensação, como eu tenho às vezes, ao perseguir a sua bem-aventurança, de estar sendo ajudado por mãos invisíveis?
CAMPBELL: O tempo todo. É milagroso. Tenho até mesmo uma superstição, que se desenvolveu em mim como resultado dessas mãos invisíveis agindo o tempo todo, a superstição, por exemplo, de que, pondo-se no encalço da sua bem aventurança, você se coloca numa espécie de trilha que esteve aí o tempo todo, à sua espera, e a vida que você tem que viver é essa mesma que você está vivendo. Quando consegue ver isso, você começa a encontrar pessoas que estão no campo da sua bem-aventurança, e elas abrem as portas para você. Eu costumo dizer: Persiga a sua bem-aventurança e não tenha medo, que as portas se abrirão, lá onde você não sabia que havia portas.
MOYERS: Você já sentiu simpatia pelo homem que não dispõe desse tipo de apoio invisível?
CAMPBELL: Quem não tem esse tipo de apoio? Bem, esse é o tipo que evoca compaixão, o pobre coitado. Vê-lo tropeçando, desajeitado, quando todas as águas da vida estão exatamente ali, ao alcance da mão, realmente desperta piedade.
MOYERS: As águas da vida eterna estão exatamente ali? Onde?
CAMPBELL: Onde quer que você esteja, se estiver no encalço da sua bem-aventurança, você estará desfrutando aquele frescor, aquela vida intensa dentro de você, o tempo todo.
(*) sat chit ananda: Sânscrito. Sat = “verdade”; Chit = “consciência”; e Ananda = “bem-aventurança”. Juntas referem-se a expressão com significado da “experiência transcendental do ser humano”.
fonte do texto:
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. [com Bill Moyers]. São Paulo: Palas Athena Editora, 2009. p.126-128.
Disponível em <https://loja.palasathena.org.br/o-poder-do-mito.html>