OS SANTOS REIS DO ORIENTE

Diz a Legenda áurea, redigida no século XIII com relatos sobre a vida dos santos, que, por ocasião do nascimento de Jesus, partiram para Jerusalém três grandes magos conhecidos em grego como Galgalar, Malgalat e Sarathin; em hebraico, como Apelio, Amerio e Damasco; e, em latim, como Gaspar, Baltazar e Melchior. O número de três e os nomes dos magos, provavelmente, foram criados durante o período medieval, já que a única referência a eles no Novo Testamento está no Evangelho de São Mateus. No trecho bíblico, entretanto, o evangelista não diz quantos os magos eram e nem que nomes eles tinham.

A partir da Idade Média, duas versões se consagraram sobre os magos. Uma afirma que eles eram os reis que sucederam a Balaão, personagem do Antigo Testamento que teria feito a famosa profecia sobre a estrela que anunciaria o Messias: “Eu o vejo, mas não é para agora, percebo-o, mas não de perto: uma estrela se erguerá sobre Jacó e um Homem virá de Israel”.

Outra versão bastante difundida na cultura popular conta que os Reis Magos faziam parte de um grupo de doze astrólogos que, em diferentes fases do ano, subiam ao topo de um monte para observar o céu e clamar pela aparição da estrela profetizada por Balaão. Certa noite, a estrela apareceu e uma voz anunciou o nascimento do Menino esperado.

Os doze reis decidiram, etão, que três deles (o mais velho, Melquior; o mais novo, Gaspar; e o que tinha a média da idade entre eles, Baltazar) visitariam a criança. Melquior levou de presente o ouro, que supera todos os metais da mesma forma que o amor de Deus supera todas as outras maneiras de amar. Baltazar levou a mirra, simbolizando a humildade dos magos diante do Menino. Gaspar levou o incenso, símbolo da devoção e das orações sinceras.

Guiados pela estrela, os magos chegaram a Jerusalém. Conduzidos ao palácio do rei Herodes, anunciaram que a criança tinha nascido em Belém, conforme as profecias. Herodes pediu-lhes que, na volta da viagem, revelassem o lugar exato do nascimento, já que também queria homenagear o Messias.

Os magos continuaram seguindo a estrela, até que chegaram a um estábulo em um gruta, onde encontraram Jesus sendo amamentado por Maria, cercado por animais e pastores. Os presentes foram oferecidos.

Ao retornar da visita, os magos não passaram por Jerusalém. Um anjo surgiu em sonhos para avisar que Herodes, na verdade, temia perder o poder para o Messias e, por isso, pretendia matar a criança. Furioso por ter sido enganado pelos magos, Herodes deu ordens para que todas as crianças de Belém fossem mortas.

Os locais de origem dos magos aparecem citados desde ao menos os escritos de São Beda, um monge que viveu nos mosteiros de São Pedro e São Paulo na atual Inglaterra, numa região que à época integrava o Reino da Nortúmbria, no século VIII. Segundo ele, Melquior partira de Ur, terra dos caldeus, Gaspar saíra de uma região montanhosa, perto do mar Cáspio, e Baltazar era mouro, de pele escura, saído de algum ponto do Golfo Pérsico. Em outras versões arraigadas nas tradições populares, Melchior era o rei da Pérsia; Gaspar, rei da Índia; e Baltazar, rei da Arábia. É provável que as origens em lugares distintos de cada um dos magos, a partir do Evangelho de Mateus, tenha sido criada para simbolizar o reconhecimento de Jesus Cristo por todos os povos.

A devoção aos Santos Reis tem um detalhe curioso: não é comum que eles sejam venerados em altares de igrejas, mas em presépios (do latim praesepe; estábulo, curral). A tradição dos presépios remonta aos primeiros tempos do cristianismo, mas popularizou-se a partir da Idade Média, especialmente a partir das iniciativas de São Francisco de Assis, que no Natal de 1223 organizou uma encenação do nascimento do Menino Jesus construindo uma manjedoura na floresta de Greccio, uma comuna italiana na região do Lácio. Ao lado de devotos que representaram Maria, José e os pastores, Francisco colocou na cena um jumento e um boi.

A tradição dos presépios chegou ao Brasil com os portugueses. Um dos principais cronistas dos primórdios da colonização, padre Fernão Cardim, citou a montagem de um presépio no ano de 1583, sendo essa a aparente primeira referência que temos sobre o assunto em terras brasileiras.

Desde então, sabemos que a tradição brasileira das celebrações dos Santos Reis ganha contornos especiais na formação de grupos de foliões que visitam as casas com estandartes coloridos e instrumentos musicais. Munidos de violas, pandeiros, reco-recos, sanfonas, chocalhos, cavaquinhos, triângulos, os foliões entoam músicas em louvação aos magos do Oriente e recebem, em troca, oferendas diversas.

É comum que as folias se formem como pagamento de promessas feitas e graças alcançadas pela ação dos Reis. O pagamento da promessa inclui a obrigação de manter uma folia por até sete anos.

Além dos músicos e cantores, muitas folias são compostas por palhaços, dançarinos e personagens das tradições locais, transformando-se em autos dramáticos comunitários. Os palhaços, especialmente, merecem destaque. Há quem afirme que cabe a eles a função de distrair os soldados de Herodes através das brincadeiras, impedindo que eles encontrem Maria, José e o Jesus Menino. A Sagrada Família, para escapar da matança dos inocentes, foge para o Egito. Outra versão diz que os palhaços mascarados representam os próprios soldados de Herodes que se converteram ao cristianismo e, por isso, precisam se disfarçar.

É curioso notar como, nos subúrbios do Rio de Janeiro, a tradição dos bate-bolas – grupos carnavalescos de mascarados que saem às ruas no carnaval – guarda, na indumentária dos seus membros, semelhanças notáveis com as vestes dos palhaços das folias que celebram os reis viajantes do Oriente.

Prometendo boa sorte e prosperidade, a simpatia da romã é feita em 6 de janeiro, Dia de Reis e, de acordo com a tradição, deve-se engolir três caroços da fruta, jogar três para trás e guardar o mesmo número na carteira, dizendo:

“Gaspar, Belchior e Baltazar, que o dinheiro
não venha me faltar”
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fonte do texto:

SIMAS, Luiz Antonio. Santos de casa: fé, crenças e festas de cada dia. [ilustrações: Aline Bispo]. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2022, p.51-56.

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