NOSSA SENHORA APARECIDA

A versão mais famosa da história de Nossa Senhora Aparecida começa com o episódio da pesca milagrosa, em 1717. Recém-chegado ao Brasil para ser o governador da capitanias de São Paulo, Pedro Miguel de Almeida Vasconcelos partiu em viagem entre São Paulo e Minas Gerais, atravessando diversas vilas margeadas pelo rio Paraíba do Sul. Com a expectativa pela passagem do novo governante, a vila Santo Antônio de Guaratinguetá (SP) se preparou para receber a autoridade com toda a pompa possível.

Para preparar um banquete capaz de agradar ao paladar português, as autoridades da vila reuniram pescadores do local para conseguir uma variedade de peixes digna dos melhores rega-bofes. Dentre os pescadores, estavam João Alves, Domingos Garcia e Felipe Pedroso.

Os três saíram para pescar juntos e, a princípio, não conseguiram pegar um mísero sairu. De repente, João Alves recolheu em sua rede a imagem de uma santa com as mãos em posição de oração, mas sem cabeça. O pescador lançou a rede novamente, no mesmo local, e pescou a cabeça com um diadema na testa, flores, cabelos trançados e um detalhe especial: a santinha estava sorrindo.

Os pescadores guardaram a imagem em um pano, desceram o rio e lançaram suas redes novamente. De súbito, inúmeros peixes começaram a pular nas malhas. Foram tantos os pescados que João, Domingos e Felipe ficaram até com receio de a canoa virar. Em algumas versões, o próprio João Alves levou a santinha para casa e colou a cabeça no corpo. Em outras, foi Felipe quem levou a santa e colou a cabeça com cera de abelha.

Colocada em modestíssimo altar na casa de Felipe, a santa começou a ser visitada pelos pescadores que rogavam fartura de peixes. Em um dos encontros, teria ocorrido o milagre das velas: a mãe de um dos pescadores, ao reparar que duas velas de cera que iluminavam a santa tinham se apagado, foi acendê-las e, com espanto, viu as chamas subirem sozinhas, sem interferência humana.

Não deu outra: a imagem começou a fazer milagres e passou a ser visitada por pescadores, tropeiros e viajantes que cruzavam Santo Antônio de Guaratinguetá, a ponto de o vigário da vila, José Alves Villela ter apelado ao bispado da capital da colônia, o Rio de Janeiro, por autorização para construir uma capelinha para a santa pescada em 1743. Dois anos depois, a capelinha de taipa de pilão foi inaugurada, no dia 26 de julho; festa de Santa Ana, a mãe de Maria e avó de Jesus.

Daí pra frente a fama da santa só fez crescer. Em 1868, a filha de d. Pedro II, Isabel, doou à santa uma coroa de ouro e diamantes. Em 1888, foi inaugurada uma igreja imponente para guardar a imagem (hoje conhecida como Basílica Velha, localizada na Praça Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo). Em 1904, a santinha foi coroada como Rainha e Mãe Nossa Senhora Aparecida. Em 1931, a imagem foi levada ao Rio de Janeiro para ser proclamada padroeira do Brasil. Hoje, o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, com a Basílica Nova que começou a ser construída em 1955, é o maior centro de peregrinação mariana do mundo.

Um detalhe da maior relevância sobre Aparecida é a cor da estátua: a virgem é preta, coisa que alguns especialistas atribuem ao tipo de argila usada na obra. Outra hipótese é a de que a imagem, originalmente branca, teria escurecido, a princípio ficando com tonalidade amarronzada por ter permanecido um tempo dentro d’água, e escurecendo mais ao ser mantida durante anos em um altar próximo a um forno de carvão vegetal, exposta à fuligem.

Noves fora o que dizem os estudiosos, é fortíssima no imaginário mariano a ideia de que a Virgem, em diversas ocasiões, assume características locais e, mais precisamente, daqueles que vivem sob opressão. É assim com Nossa Senhora de Guadalupe, a santa mexicana que apareceu em 1531, com traços e indumentária indígenas para Juan Diego, um descendente de astecas, e Nossa Senhora de Lourdes, a camponesa da França. Um dos milagres atribuído à Aparecida, inclusive, é o da libertação do escravizado Zacarias, que, ao passar em correntes pela porta da capela da santa, em 1850, evocou Maria. Imediatamente, as correntes se quebraram e Zacarias foi embora diante do caçador de escravizados que o conduzia e que ficara sem reação.

Entranhada nas devoções brasileiras e no imaginário festeiro das brasilidades – Oswald de Andrade, em verso famoso do poema “Noite do Rio” chegou a dizer que “O Pão de Açúcar é Nossa Senhora Aparecida coroada de luzes” -, a santinha bochechuda e sorridente, ainda que esteja coroada com ouro em diamantes, parece mais ser, como certa feita me falou uma tia-avó macumbeira e católica, aquela amiga que mora na vizinhança e socorre a gente na hora do sufoco.

SENHORA APARECIDA
Roberto Malvezzi

O pescador lançou sua rede
No rio Paraíba
E o que ele encontrou
Foi muito mais que peixe
Foi a imagem Aparecida.

Então, tudo se transformou
O milagre aconteceu
Quem veio dessas águas
Foi um sinal de Deus.

E agora
O povo do Brasil
Não sabe mais rezar
Sem olhar para a padroeira
Que Deus quis para o país.

Senhora Aparecida
Nas águas desse rio
Velai por nossas vidas
Também por nossos rios
Guardai a nossa prece
No manto azul anil
Guardai o vosso povo
Padroeira do Brasil.

Então, aqueles pescadores,
Levaram para casa
A imagem mais morena
Que tinham visto em vida
A imagem Aparecida.

E aos poucos
Rezando percebiam
Que o povo escravo e simples
Ganhara a proteção
Da mãe de cada dia.

Milagres
Também aconteciam
As velas se apagavam
E depois se acendiam
Sobre o rosto de Maria.

Senhora Aparecida
Nas águas desse rio
Velai por nossas vidas
Também por nossos rios
Guardai as nossas preces
No manto azul anil
Guardai o vosso povo
Padroeira do Brasil.

Mesmo depois de tantos anos
Estais no santuário
Que a mão humana ergueu
Com arte e sacrifício
Como a casa de Maria.

Então,
romeiros, peregrinos
Vem sempre visitar
Pedir e agradecer
As graças recebidas.

E hoje,
O povo em romaria
Caminha nas estradas
Atrás de santos dias
Com a benção de Maria.

fonte do texto:
SIMAS, Luiz Antonio. Santos de casa: fé, crenças e festas de cada dia. Petrópolis, RJ: Bazar do Tempo, 2022. p.27-31
Disponível em: <https://www.martinsfontespaulista.com.br/santos-de-casa-996754/p>

fonte da imagem:
CECCONI, Carlos Francisco. Santuário Nossa Senhora Aparecida. jan 2022