Oração Inaugural da Teologia Mística de Dionísio, o Areopagita:
Ó Três,
além do Ser, de Deus e do Bem,
Tu, que permites aos cristãos participarem da Sabedoria mais do que divina
conduz-nos além de todo saber e não saber
rumo ao mais elevado desvelamento do qual nos falam as Escrituras,
ali onde os mistérios simples, absolutos e incorruptíveis da teologia
revelam-se em um obscuro e luminoso silêncio;
que este obscuro e luminoso silêncio nos inicie aos segredos da noite radiante e resplandecente intangível, mais bela do que a beleza.
Pura Presença que preenche e suplanta a inteligência apaziguada
esta é a minha oração.
Tu também, meu caro Timóteo, aplica-te sem descanso às contemplações silenciosas,
deixa ali todas as sensações, todas as especulações sobre o Ser e o Nada,
és livre para com o sensível assim como para o inteligível.
Assim, segundo a tua capacidade, tu te elevarás pela não compreensão e o não saber
na abertura onde tu és Um com aquilo que é antes e além de toda essência e todo conhecimento. É deixando-te a ti mesmo e tudo aquilo que existe,
que viverás a evidência total e irresistível,
o supra essencial esplendor do obscuro e luminoso Silêncio, livre e liberto de tudo.
* * *
Comentário de Jean-Yves Leloup [trecho]:
Ó Três!
Nem um, nem dois, nem redução à unidade, nem divisão do um; despertar a uma contemplação que não é nem intuição de um Único, nem análise de um múltiplo. Além do pensamento. Três é o número do entre-dois, da relação. Não digamos rápido demais “relação de pessoas”, não pensemos de imediato na grande Tríade ou nas trindades religiosas. Para Dionísio, seria o Três o número do Amor anterior ao Ser, a Deus, e ao Bem? Dom do Ser, de Deus, e do Bem, relação anterior às manifestações tríades do Amante, do Amor e do Amado? Do Pai, do Filho e do Espírito Santo? Três – não é este o Dom vivo, relação insubstancial e pura? “Três, como já dizia Gregório de Nazianzo, não é nem número, nem quantidade”: é aquilo que conduz nosso Espírito além do Um e do múltiplo e além das reduções ontoteológicas através das quais pretenderíamos determinar o Absoluto, encerrar o Infinito (Apeiron) em um nome.
“Além do Ser, de Deus e do Bem”: nossos ídolos mais sutis e mais elevados desmoronam desde as primeiras palavras da Teologia mística – tudo aquilo que o nosso pensamento conseguiu produzir de mais forte e de mais fascinante para submeter o Real inalienável. Tudo que nosso espírito conseguiu imaginar para dar à nossa humanidade um conforto “substancial”, “divino” e benéfico: uma consolação. Dionísio, assim como Gregório, chama este além de tudo de “Tu”, de “Você”. Ele trata o abismo com intimidade, ele o tuteia como se soubesse que este é o lugar do maior, do impensável Amor. Ele chegará a dizer que há ali uma sabedoria mais do que divina que se dá aos “cristãos”, ou seja, àqueles que se tornaram, em seguida a Yeshua, plenamente humanos e plenamente divinos através da sua participação à Vida – nem uma, nem dual, nem fusional, nem separada, dos Três.
fonte do texto:
A Teologia mística de Dionísio, o Areopagita: um obscuro e luminoso silêncio. [traduzido e comentado por Jean-Yves Leloup]. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p.15-16;41-42.fonte da imagem:
RUBLEV, Andrei, A Trindade. [1422-1427]. Disponível em <https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Holy_Trinity_Icon_(Andrej_Rubl%C3%ABv)>