Movimento é algo belo, porém, quando é ordenado por quem está em cima e se torna uma obrigação, desaparece a beleza. No mundo do trabalho pode-se bem observar isto. Aí reina uma permanente intranquilidade, e isto chega mesmo a ser bom, na opinião do gerentes, os quais também nunca podem sentar-se em paz. Assim eles reorganizam permanentemente seus negócios, os empregados são enviados ora para cá ora para lá, e em toda reorganização alguns têm também de ser sacrificados.
Então alguém que, como eu, trabalha há trinta anos na mesma empresa se sente pressionado a se justificar. Quem permanece por muito tempo no mesmo lugar chama a atenção. Empregados modernos são nômades e estão sempre andando por aí. Hoje aqui, amanhã ali, depois de amanhã fora de novo.
“Flexibilização” é a palavra mágica da economia moderna: tudo bem de se mover, mesmo não sendo claro para ninguém em que direção deve ir propriamente o movimento. O sociólogo americano Richard Sennet fala de um “imperativo do movimento”. O ser humano tem de ser flexível. Assim ele se torna uma massa de modelar e pode ser transplantado aleatoriamente. Quem garante que ele seja alcançável e esteja disponível em qualquer lugar é sua cadeia eletrônica, o celular.
A flexibilização é como um vírus que infecta sempre mais esferas da vida. Também as relações pessoais são flexibilizadas, o que encurta enormemente sua duração e conduz a um crescente isolamento.
Duração, estabilidade e confiabilidade são valores de ontem. Vínculos e compromissos perdem em significação. Agora reina a ditadura do curto prazo. Tudo é provisório, fugaz e sem lugar.
Esse movimento nervoso para cá e para lá, diz Sennet, vai contra o caráter humano, que tende à confiabilidade e à perspectiva de longo prazo. Fragmenta a vida em partes desconexas. Sob a pressão constante do novo, faltam as grandes linhas e as perspectivas confiáveis para o futuro.
Pode-se viver assim em longo prazo? Pode uma sociedade subsistir assim? Sennet tem dúvida quanto a isso.
Há bons mil e quinhentos anos, no tempo igualmente muito agitado da migração dos povos, Bento postulava o princípio da stabilitas, da estabilidade. Ele reconhecia a importância que tem para o ser humano a continuidade de sua história de vida. A stabilitas, tal qual prescrita por ele em sua regra monástica, tem em mente inicialmente o permanecer no lugar escolhido. Depois, também a disposição para contrair vínculos e perseverar neles. E finalmente ela deve criar ilhas de serenidade em um mundo atormentado pela agitação e pela pressa.
Bento deseja ter monges com dignidade e firmeza. Seu projeto é de longo prazo, e o fato de os mosteiros até hoje funcionarem segundo sua regra lhe dá razão.
Stabilitas não deve ser confundida com rigidez. Pelo contrário, trata-se, para o pai da vida monástica ocidental, do equilíbrio entre mobilidade e constância. Ele prescreve para os mosteiros um ritmo que une a continuidade à mudança. Só assim puderam os mosteiros subsistir ao longo dos séculos.
Um pouco da estabilidade beneditina faria bem hoje a muitas empresas. Porém a maior parte daqueles que tomam importantes decisões, os gerentes e diretores executivos, preferem ouvir os espertos pregadores das doutrinas salvíficas neoliberais a ouvir um contemplativo do sexto século.
fonte do texto:
MARTI, Lorenz. Quem te mostrou o caminho? Um cachorro: a mística descoberta no cotidiano. Petrópolis: Vozes. 2009. p. 134-135.fonte da imagem:
PASTRO, Cláudio. São Bento. s/d.