AS MÃOS SUSTÊM A ALMA

Uma das esculturas mais conhecidas de Rodin revela, numa primeira abordagem, uma impressionante simplicidade. Trata-se de uma composição em pedra constituída por um par de mãos. Na verdade, duas mãos direitas, de duas pessoas diferentes cujos braços se entrecruzam e alongam para que os dedos, no ponto mais alto, se toquem, desenhando a forma de um arco. Um programa aparentemente elementar, portanto.

A poesia deflagra – e, desse modo, remete-nos para uma outra visão da obra – quando nos é anunciado seu título. Primeiramente, Rodin pensou denominá-la A Arca da Aliança, mas optou depois por chamá-la A Catedral.

O que é uma catedral? A escultura de Rodin pode socorrer-nos na necessidade presente de obter uma resposta. Uma catedral não é apenas um território sagrado exterior onde os nossos pés nos levam. Nem é apenas um templo fixado num determinado espaço. Nem apenas um porto de abrigo que os mapas assinalam. Uma catedral também se alcança com as nossas mãos abertas, disponíveis e suplicantes, onde quer que nos encontremos. Porque onde está um ser humano, ferido de finitude e de infinito, está o eixo de uma catedral. Onde possamos realizar essa experiência de busca e de escuta para a qual a imanência não é resposta. Onde as nossas mãos se possam erguer para o alto em desejo, urgência e sede. Esse sempre será um dos eixos da catedral. O outro eixo é o mistério de Deus que o desenha, avizinhando-se de nós e segurando-nos, mesmo quando não nos apercebemos logo, mesmo quando o silêncio, o duro e espesso silêncio, parece a verdade mais tangível.

Foi Pascal quem escreveu que “as mãos sustêm a alma”. Hoje precisamos de mãos – mãos religiosas e laicas – que sustenham a alma do mundo. E que mostrem que a redescoberta do poder da esperança é a primeira oração global do século XXI.

fonte do texto:
MENDONÇA, José Tolentino. O que é amar um país: o poder da esperança. Lisboa: Quetzal Editores, 2020. p.51-53.
Disponível em: <https://www.quetzaleditores.pt/produtos/ficha/o-que-e-amar-um-pais/24128917>

fonte da imagem:
RODIN, Auguste. A Catedral. 1908. Musee Rodin, Paris, França.
Disponível em: <https://www.musee-rodin.fr/es/musee/collections/oeuvres/catedral#group_1365-4>