[Para expressar a experiência mística] as únicas saídas que se oferecem são metáforas, parábolas e imagens das quais fica claro que não oferecem mais do que uma ideia aproximada.
Uma imagem que gosto de usar é a seguinte: se formos imaginar a Primeira Realidade como um oceano infinito, nós somos algo como as ondas na superfície deste mar. Ora, se a onda experimenta o “Eu sou o mar”, ainda há dois: a onda e o mar. Todavia, na experiência mística, essa dualidade também é superada. O eu da onda se desmancha e, em seu lugar, o mar se sente como sendo a onda. Ele se percebe na unidade de ambos e como unidade de ambos. Não é o místico que dá esse passo, ele o recebe. Ele não mais considera a realidade como algo que está a sua frente, ou seja, do lado de fora, mas experimenta a realidade a partir de dentro.
Para falar através de uma imagem: ele experimenta. Tudo é onda e oceano ao mesmo tempo. Tudo é uma forma de expressão desta única realidade. E como tudo é forma de expressão da mesma realidade, existe também uma fusão absoluta com tudo. O mar é todas as ondas e todas as ondas são uma unidade. Tudo é cosmo e tudo no cosmo é manifestação do mesmo Ser cósmico. O místico experimenta isso justamente no fato de que todas as diferenciações entre ele e as manifestações do Ser param de existir. Mística não significa além de Deus e do mundo. Mística é Deus e o mundo, uma unidade indivisível.
Com isso, a tensão entre os dois polos não fica neutralizada. É a tensão entre uma extremidade do bastão e a outra. É a tensão entre onda e mar, entre ramo e árvore. Tampouco isso coloca Deus e o ser humano no mesmo nível. O mar se revela como onda. Nós podemos dar nomes diferentes ao mar e à onda, mas a sua essência é a água. A mão tem dois lados. Quem a olha com o raciocínio deve observar um lado, depois o outro. Visto pelo interior, ambos os lados são percebidos como sendo UM. Por isso, trata-se ao mesmo tempo de uma experiência do vazio total e da plenitude total.
fonte do texto:
JÄGER, Willigis. A onda é o mar: espiritualidade mística. Petrópolis: Vozes, 2009. p.69-70
Disponível em <https://www.estantevirtual.com.br/toca-dos-livros/anselm-grun-a-onda-e-o-mar-espiritualidade-mistica-espiritualidade-de-bolso-2298452389>fonte da imagem:
HOKUSAI, Katsushika. A grande onda de Kanagawa. Gravura. [ca. 1830-1832]. New York: The Metropolitan Museum of Art. Disponível em <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/45434>
