CUIDAR DA RELAÇÃO

Santíssima Trindade de Andrey RublevCuida do Ser é, também, cuidar do outro; cuidar dessa alteridade que sempre nos escapa.

Uma pessoa é mais que um indivíduo. É uma relação, uma imagem de uma relação primeira que faz sentir todas as coisas. Penso na bela imagem da Santíssima Trindade, de Rublev, um monge ortodoxo russo, do século XIV, que sabia que não se pode representar Deus, sobretudo como um indivíduo, um velho de barbas brancas… Imagens que, às vezes, nos impedem de ter acesso ao sentido profundo que se encontra por detrás da palavra Deus.

Para Rublev, Deus é relação. Quando dizemos que Deus é Trindade, como nos lembrava Tomás de Aquino, significa dizer que ele é relação. O mesmo se passa com tudo. Quando olhamos para a própria estrutura atômica, constatamos que um átomo não existe por si só; ele só existe na sua relação com todos os outros. Há uma interconexão entre todas as coisas, uma interdependência, uma inter-relação. São os três Anjos, que aparecem a Abrãao, no livro do Gênesis (18,2-10).

No texto hebraico usa-se, sem cessar, a passagem do plural para o singular, quando Abraão se dirige aos três Anjos no singular, como se, na pluralidade das pessoas, Abraão visse o único. Assim como, em cada indivíduo, pudesse ser vislumbrada sua relação com os outros.

É o que a imagem ou ícone de Rublev tenta traduzir. A vestimenta de cada Anjo se reflete na dos demais. Há linhas côncavas e convexas; sobretudo, o importante, é o movimento circular, indicando que cada personagem só é ele mesmo na relação com os outros. Talvez aí esteja o sentido mais profundo desse ícone.

Poderíamos, também, falar sobre o simbolismo das cores, dos gestos, da taça no interior da imagem – não somente a que está sobre a mesa. Se seguirmos a linha dos Anjos, veremos que, no interior mesmo do círculo, há como uma taça que se forma e que simboliza o Graal, o coração.

Então, lembramos que o Terapeuta tem uma inteligência que lhe permite discernir a doença desta ou daquela pessoa. Mas tem também um coração; e o próprio do coração é reconhecer o Tu que há no outro.

fonte do texto:
LELOUP, Jean-Yves. Uma arte de cuidar: estilo alexandrino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p.37-38.

fonte da imagem:
RUBLEV, Andrei, A Santíssima Trindade. [1422-1427]. Disponível em <https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Holy_Trinity_Icon_(Andrej_Rubl%C3%ABv)>

Santíssima Trindade de Andrey Rublev
A Santíssima Trindade. Andrey Rublev [1422-1427]