PRÁTICAS PESSOAIS PARA HONRAR NOSSA DOR PELO MUNDO

[O texto a seguir, trecho do livro “Esperança Ativa: como encarar o caos em que vivemos sem enlouquecer” de Joanna Macy (foto ao lado) e Chris Johnstone, é referência para o grupo Peregrinas e Peregrinos do Caminho Interior, que estuda e lê o livro em grupo, enquanto estamos em isolamento no período de pandemia global. Nossa leitura, estudo, conversa e meditação acontecem diariamente em encontros virtuais por vídeo conferência. Se você sente esse chamado para meditar e ler em grupo, entre em contato. A referência e link para aquisição do livro encontram-se ao final desta página.]

Frases abertas e a questão de Percival

Um ponto de partida para explorar suas reações emocionais às condições do mundo é simplesmente se perguntar como você se sente. A Questão de Percival, adaptada para este contexto, envolve perguntar a sim mesmo: “O que me incomoda em relação ao que está acontecendo em nosso mundo?” E então abrir espaço para ouvir suas respostas. Você pode usar a escrita para encontrar suas respostas. Sempre que não houver certeza do que dizer ou escrever, pode-se usar a técnica de frases abertas para indicar um ponto de partida, e continuar a frase com o que fluir naturalmente. As frases abertas na página 74 oferecem um ponto de partida útil para reflexão ou diário pessoal. Algumas outras frases abertas quer costumamos usar em oficinas são:

  • Quando imagino o mundo que deixaremos para nossos filhos, parece que…
  • Um de meus piores temores sobre o futuro é…
  • Os sentimentos que carrego comigo sobre isto são…
  • Maneiras de evitar esses sentimentos incluem…
  • Algumas maneiras de usar esses sentimentos são…

Cada uma delas é um trampolim para o território que geralmente é excluído da conversa. Quando trazemos nossos medos à tona, eles perdem seu poder de nos assombrar. Jade, uma jovem que frequentou uma de nossas oficinas, descreveu o impacto que isto teve sobre ela:

Antes, eu estava aterrorizada com a perspectiva global e o colapso ecológico, era um pensamento tão horrível que eu não podia encará-lo. Era demais olhar para os problemas mundiais, então, tentei calá-los.

Naquela oficina, as coisas mudaram. Enfrentei meus medos e lembrei-me de pensar “este é o meu terror e ele é muito ruim”. Antes, eu estava com muito medo, mas depois meus pesadelos acabaram. Eu me senti mais receptiva, colocando as coisas em uma perspectiva melhor, pensando que nós apenas fazemos o nosso melhor, então segui adiante.

Após a oficina, Jade deixou o emprego e começou a trabalhar para uma organização ambiental. Encarar os horrores havia fortalecido sua determinação de encontrar e desempenhar seu papel na abordagem de suas preocupações sobre o mundo.

Respirando e deixando passar

A meditação Respirando e Deixando Passar descrita nas páginas 75-77 ajuda a trazer sentimentos à superfície; ela também pode se tornar uma aliada confiável se você sentir que o medo está grande demais. Trazer sua atenção de volta para sua respiração tem efeito estabilizador, assim como lembrar a imagem de sentimento entrando, passando pelo seu coração e sendo liberados nos recursos curativos da Teia da Vida.

Expressão criativa de nossa dor pelo mundo

Se não estamos acostumados a articular nossas emoções, às vezes pode ser difícil saber o que sentimos. Uma maneira de extrair sentimentos para que eles se tornem mais fáceis de reconhecer é dar a eles um formato, como uma forma ou cor no papel, um som com sua voz ou uma textura com argila. Ir além das palavras, ou mergulhar abaixo delas, nos leva a esse estágio subliminar onde sentimos as ameaças, para que possamos tocá-las e liberar nossas respostas mais profundas à condição de nosso mundo.

EXPERIMENTE:
Desenhar suas preocupações
Pegue um pedaço de papel em branco e algumas canetas coloridas. Rabisque ou desenhe imagens para representar as preocupações que você tem e os sentimentos que o acompanham.

Quando imagens vêm à tona, elas nos permitem entrar no reino de nossas respostas intuitivas em relação ao momento de nosso planeta. Podemos nos surpreender pelo que nossas mãos retratam, imagens de preocupação reveladas no papel que podemos não ter falado ou sequer compreendido. Imagens, uma vez criadas, têm uma realidade própria que não precisamos explicar ou defender ou nos desculpar a respeito. Elas são como são, mostram o que mostram e trazem à vista mais do que palavras sozinhas podem fazer.

Utilizando cerimônias

A maioria das culturas honra emoções significativas, como a dor após a morte de um ente querido ou gratidão em momentos de ação de graças, marcando-os com cerimônias ou formas de representação simbólica. Podemos honrar nossos sentimentos de dor pelo mundo desenvolvendo nossas próprias cerimônias para registrá-los.

EXPERIMENTE:
Um dólmen pessoal de luto
O que você lamenta, dentre o que está sendo perdido, em nosso mundo? Enquanto mantém esta pergunta em sua mente e coração, caminhe um pouco e procure um objeto que represente algo precioso que nosso mundo está perdendo. Encontre um lugar especial para colocar esse objeto como uma maneira de reconhecer a perda e a dor que você sente. Você pode retornar a este local especial para marcar outras perdas, construindo ao longo do tempo uma pequena pilha, ou monte de pedras, de objetos simbolizando o que está sendo perdido.
Este dólmen de luto é um indicador que mostra que você notou e se importa.

Se sentíssemos a dor da perda cada vez que um ecossistema fosse destruído, uma espécie exterminada ou uma criança morta por guerra ou fome, não conseguiríamos continuar vivendo da maneira que vivemos. Isto nos rasgaria por dentro. As perdas continuam porque não são registradas, não são marcadas, não são vistas como importantes. Ao escolher honrar a dor da perda, em vez de menosprezá-la, quebramos o feitiço que nos entorpece para o desmantelamento de nosso mundo.

O poder das conversas

Uma expressão que ouvimos muitas vezes é “não percebi que sentia tão fortemente até que me ouvi dizer isto”. Ao expressar nossas preocupações e dar voz a nossos sentimentos, os tornamos mais visíveis não apenas para os outros, mas também para nós mesmos. Quanto mais trazemos as questões à tona, mais inclinados a enfrentá-las nos tornamos. Como a autora de best-seller Margaret Wheatley observa:

Muitos esforços de mudança em larga escala – alguns dos quais venceram o Prêmio Nobel da Paz – começaram com o simples, mas corajoso, ato de amigos conversando entre si sobre seus medos e sonhos. Ao analisar vários desses esforços e como eles começaram, sempre me deparei com uma frase: “Alguns amigos e eu começamos a conversar…”

Quando as pessoas nos revelam sua angústia sobre as condições do mundo, nossa resposta influencia poderosamente a maneira como a conversa se desenvolve. Reconhecendo o compartilhamento da dor pelo mundo como uma comunicação crucial, podemos honrar sua expressão, oferecendo nossa atenção plena. Em vez de tentar consertar sentimentos de angústia, aceitamos sua validade e importância. Fazer isto é em si uma ação rumo à Grande Virada.

Procurando suporte / oficinas / grupos de prática

Um tipo específico de magia acontece quando o Trabalho que Reconecta é aplicado em grupo. É tremendamente reconfortante descobrirmos que não estamos sozinhos ao sentir dor pelo nosso mundo. Identificá-la como normal é em si um ato de cura.

Outra maneira de percorrer a jornada com outros é formar um grupo de apoio, prática ou estudo com base na leitura deste livro.

A dor do mundo como um chamado à aventura

Há um momento, em muitas histórias de aventura, em que os personagens principais veem a verdadeira natureza da crise que enfrentam e ela é bem pior do que eles tinham imaginado antes. Não é apenas sua própria vida em jogo, mas também a comunidade à qual eles pertencem, um valor que prezam, uma causa maior que eles mesmos. Com as ferramentas e recursos disponíveis limitados, pode parecer que eles não têm muita chance. Para ter alguma esperança, eles precisam sair para um novo terreno em busca de aliados, entendimentos e ferramentas que os ajudem.

Experimentaremos momentos em que a ficha de que nosso mundo está em grave perigo realmente vai cair. Ao enfrentar um desafio muito além do que normalmente podemos pensar que somos capazes de lidar, precisamos ir além do familiar e aprender a arte de ver com novos olhos. A próxima seção deste livro apresenta quatro empoderadoras mudanças de percepção. Gostamos de pensar nelas como as quatro descobertas: um sentido mais amplo do ser, um tipo diferente de poder, uma experiência mais rica de comunidade e uma visão mais ampla do tempo.

fonte do texto:
MACY, Joanna; JOHNSTONE, Chris. Esperança ativa: como encarar o caos em que vivemos sem enlouquecer. Rio de Janeiro: Bambual Editora, 2020. p.79-83.
Livro disponível em: <https://bambualeditora.com.br/p/esperanca-ativa/>

fonte das imagens:
SHEMPER, Adam. Foto de Joanna Macy. [disponível em <https://believe.earth/wp-content/uploads/2018/05/joanna_macy_photo_adam_shemper2.jpg>]

GRÁFICO ALUSIVO ao Livro Esperança Ativa. [disponível em <https://benfeitoria.com/esperancaativa?ref=benfeitoria-pesquisa-projetos>]