ABRIR A CONSCIÊNCIA: A COMUNHÃO COM A ORIGEM

Não há tarefa mais importante do ser humano que a de se conectar com sua própria alma e despertar a energia contida para liberar o potencial abriga. Para isso, todas as tradições espirituais propõem transcender o ego.

Ramana Maharshi, um místico hindu do século passado, diz: “Elimine o ego e a ignorância desaparece. A ignorância pertence ao ego. Por que pensa no ego e sofre? É uma ignorância que consiste no esquecimento da alma. Quando se conhece a alma não há escuridão, nem ignorância, nem miséria”.

O ego nos endurece e nos impede de nos reconhecermos como quem verdadeiramente somos. As necessidades do ego nos mantêm presos e centrados em nós mesmos, e nos deixamos guiar por nossa natureza inferior. A questão é se desidentificar com o ego para se desprender e libertar do desejo apaixonado e das forças compulsivas que prendem a alma na dimensão corporal e não lhe permitem ter acesso à dimensão transcendente.

Todos os caminhos espirituais nos dizem que devemos esvaziar ou transformar radicalmente o “eu”, e, assim, desaparecerão as sombras que o cercam. A extinção do ego não implica a aniquilação do eu mais profundo. Ao contrário, permite sua manifestação. Trata-se de transcender os limites do próprio psiquismo: ideias, projetos, seguranças, apegos e crenças que ainda são referências do eu limitado. Desse modo, conseguiremos que os impulsos autocentrados do ego se transformem em capacidades criativas e geradoras de vida e comunhão.

Ao transcender o ego, nossa alma se torna ciente de uma realidade mais vasta que a que se pode perceber com os sentidos. Percebemos o que realmente é importante. Deixamos de reagir com uma postura defensiva e nos mostramos sem medo, tal como somos. A consciência se abre pra novas perspectivas, e temos acesso ao conhecimento mais profundo do ser.

À medida que a referência do ego vai sendo superada, a pessoa vai adquirindo um conhecimento que já não se centra em suas próprias necessidades fisiológicas e psicológicas. Com o despertar da consciência, descobrimos os limites do ego, reconhecemos a sacralidade do próprio ser e aprendemos a transcendê-lo para entrar em conexão com a sabedoria que nos une a todos e com o Todo. Manifesta-se, assim, o eu mais profundo, com toda sua capacidade criativa, geradora de vida e de comunhão.

Se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica muito sozinho; mas se morre, produz muito fruto (Jo 12,24).

Renunciar ao eu limitado implica atravessar vários estados de “morte”, nos quais nos esvaziamos do que contínhamos e ficamos plenamente inundados, não de algo que tenhamos que defender como antes com a força do ego, mas com a consciência de que esse eu se transformou em um receptáculo puro: o coração da alma, o espaço desalojado pelo ego. Quando se chega a esse lugar, consegue-se a comunhão com a origem, com o Todo e com todos.

Nesse estado, as situações do dia a dia deixam de nos afetar negativamente, permanecemos estáveis e em harmonia e sentimos a serenidade. Nossos pensamentos são precisos, não correm como um cavalo selvagem, nós os controlamos. Reconhecemos o que é verdadeiro e não nos deixamos impressionar pelas ilusões da falsidade e da ignorância. Livramo-nos da ira, da raiva, do rancor e da avareza. Isso nos permite ser mais generosos. Com clareza, antes de agir sabemos das consequências de nossos atose não nos deixamos levar pelo impulso do desejo nem das influências externas; agimos com um discernimento baseado na sabedoria inata e no conhecimento da ke de causa e efeito.

Para sair da ignorância, todos os caminhos espirituais nos propõem recorrer assiduamente à oração ou à meditação, quando o eu chega à alma e se abre à possibilidade de uma conexão transcendente.

No silêncio, acalmamos a voz do barulho do ego. Na meditação, nós o dissolvemos e esvaziamos. Na contemplação, despertamos a consciência e a intuição conectada com a sabedoria inata: aí, a individualidade se abre para o Todo.

SUBIRANA, Miriam. Cúmplices: para além das relações de dependência. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. p.198-200